As primeiras raves
Quando se busca a cronologia da cena eletrônica no Brasil, mais precisamente as datas das primeiras festas raves (indoor e outdoor), os locais, estilo e duração, podemos dizer que... “Houston, we’ve got a problem”.
Há quem diga que o primeiro projeto para uma rave no Brasil aconteceu em 1995 em São Paulo, trazido pelas mãos do DJ Dmitri. Com ele o ambiente psicodélico, a música repetitiva e a influência das festas que aconteciam não só na Europa, mas também nos EUA e, principalmente, em Goa, na Índia, começavam a ganhar um pouco mais de notoriedade à medida que atraíam novos adeptos e seguidores.
A LM Music, considerada a primeira rave Urbana, aconteceu em 1992, passando pelas cidades de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. No line-up, além das primeiras iniciativas de decoração com laser, DJs como Moby, Altern8, Mau Mau, Alex S e Mark Kamins marcaram a história da cena de música eletrônica no Brasil.
Depois de um tempo na Europa, em seguida uma temporada de quatro meses em Goa, André Meyer pode ser considerado um dos precursores da cena trance no Brasil. Durante 1994 e 1995, juntos com amigos e curiosos, André dava início ao que seria atualmente mais do que um estilo de música, um estilo de vida.
“A primeira festa que organizamos rolou no ano 1994, em Atibaia, São Paulo, e lembro que tivemos muita dificuldade para trazer o equipamento de som. A gente tirava cópias do flyer para fazer a divulgação e fazia um rateio para bancar a gasolina do gerador”, comenta André. Ele explica que naquela época não era tão simples arranjar a locação de aparelhagem como hoje. Não havia moldes, sequer estrutura; o combustível era a própria vontade de se criar um ambiente diferente e propiciar uma sensação inusitada à galera que comparecesse.
E deu certo! Basta acompanhar a cena e as multidões que se formam para prestigiar festas como o festival Universo Parallelo e XXXperience, só para citar algumas.
André Meyer, além de trabalhar como body piercer também toca informalmente como DJ e foi co-fundador do club Klatu Barada Nikto; com a mesma proposta até hoje e aberto todas às quintas na noite paulistana.
Iniciativas como o projeto WTF (World Trance Family) também contribuíram bastante para a evolução dos estilos dentro da cena, em meados da década de 90. Wagner J. que é integrante do projeto, em entrevista ao portal Terra, comenta que a essência foi, sim, trocada pela oportunidade de se ganhar dinheiro. Esclarece que a comercialização é inevitável, e em contrapartida isso de forma alguma anula o movimento underground, pulsante nas grandes metrópoles. Em entrevista ao Psyte, o grego Pan Papason, considerado pioneiro do movimento e da música psicodélica no Brasil e no mundo, nos conta como foi essa experiência e suas impressões: “No final da década de 80, estrangeiros vieram de Goa para o Brasil. Alemães, Italianos, Suíços, gente do mundo todo que morou em Goa durante um tempo e veio parar no sul da Bahia, em Trancoso, por volta de 1986/87. Com eles chegaram também as primeiras fitas DAT, algumas lâmpadas ultravioleta, além dos tecidos psicodélicos com Deuses indianos pintados. Ninguém conhecia aquelas cores, o trance, tudo era novidade".
Pan foi parar em Londres em 1992, deixando assim sua terra natal para começar a discotecar em pequenas festas after-hour. Em 1993, já em Goa, ele continuou a tocar na cena noturna e em 1994, durante sua a viajem ao Chile, ajudou a organizar a primeira festa rave no local. "Eu e alguns amigos estávamos espalhando a cultura psicodélica pela América do Sul, realizando festas no Peru e no Chile. Inclusive foi no Chile, que organizamos a primeira festa trance durante um eclipse solar. Do Chile viemos parar no Brasil, onde chegamos até o Arraial D´ ajuda para encontrar algumas pessoas que também conheciam o trance”.
No reveillon de 1994 para 95, Pan e seu grupo organizaram o primeiro festival, se é que podemos chamar assim, rolando durante dois dias, com cerca de 400 pessoas presentes dançando ininterruptamente. Tudo muito roots, a divulgação era feita com flyers escritos a mão, xerocados. “Mandamos até para nossos amigos na Europa, que vieram para o reveillon", comenta Pan.
Mas qual seria o motivo capaz de fazer um grupo de pessoas, centenas, milhares, talvez, se reunirem em torno de caixas de som para curtir muitas e muitas horas ao som de uma música repetitiva, bastante alta e um tanto quanto esquisita, numa época em que nada disso era divulgado?
"O trance para alguns é um modo de vida. Se você morar na Índia por seis meses, já começa a agregar toda aquela cultura. Tem um determinado dia no ano, que os indianos saem na rua jogando tinta colorida uns nos outros. São muitas pessoas coloridas correndo, cantando e dançando. As cores das festas raves vieram desta cultura, os Deuses coloridos, sem contar a espiritualidade do povo e a própria música indiana. Tudo foi transferido para o trance". Segundo Pan, isso justifica muita coisa. Em São Paulo, as festas começaram em 94/95 e eram bem pequenas, algumas até indoor. Quando no final dos anos 90 surgiu o club Klatu, explica o DJ e produtor.
A cultura rave começou de fato no início dos anos 90, principalmente na Inglaterra, porém o conceito “rave” teve origem pelos menos 10 anos antes, junto com as primeiras produções eletrônica provenientes de qualquer gênero que se propusesse a produzir. Sendo as festas organizadas longe do perímetro urbano ou em galpões e espaços abandonados, o som era o techno e a droga consumida, o Ecstasy.
Tão importante quanto a cena rave e sua configuração atual, a cena acid house surge na Inglaterra como a primeira concepção de festas regadas a música eletrônica e LSD (Ácido Lisérgico). Não diferente do que acontece hoje, o principal catalisador do movimento foi a cobertura sensacionalista dos meios de comunicação, que ao invés de afastar o público, causava um efeito oposto. Multidões de até 15 mil pessoas reuniam-se nos campos ingleses para curtir a novidade e descobrir por si o que realmente se tratava.
Após “bombar” de tal forma, várias festas começaram a pipocar por toda parte, chamando assim a atenção das autoridades britânicas que imediatamente criaram uma legislação específica para vetar festas fora da cidade, com a inserção de “música repetitiva”.
De acordo com a pesquisadora inglesa, Sarah Thornton, o efeito gerado pelo pânico moral sugere um conflito entre cultura jovem e mídia. Isso porque a juventude rejeita a aceitação de sua cultura pela imprensa justamente por se tratar de uma cultura rebelde e, portanto, não deve ser simplesmente aprovada pela mídia. Por outro lado, segundo Thornton, os estudos culturais tendem a posicionar a cultura jovem como inocentes vítimas das versões negativas da mídia, quando a mesma retrata a cultura jovem como qualquer outro produto de mercado, vendável.
O sociólogo espanhol Manoel Castells explica no primeiro volume da trilogia, “Sociedade em Rede – A era da informação: Economia, Sociedade e Cultura”, que as redes interativas de comunicação estruturam uma nova geografia de conexões e sistemas culturais e sociais. Traduzindo, esse fenômeno dentro do contexto atual gera além de fórum de discussões sobre os mais variados estilos música, também, comunidades, grupo e sub-grupos de outras tribos cada vez mais desterritorializadas e amorfas. Delas resulta o mundo “virtual” que hoje chamamos de cibercultura. Sendo assim, criando a possibilidade de formatar festas (ou PVT’s) em qualquer espaço com qualquer estilo de música eletrônica. O acesso à música, sound system e divulgação é perfeitamente viável usando uma ferramenta simples como email, sites e comunidades virtuais.
Confira a seguir uma lista de alguns estilos de música eletrônica mais populares e uma breve descrição sobre cada um deles. Perceba que as vertentes estão sempre em mutação, dessa forma, é interessante buscar outras fontes, como produtores, para perceber e entender a sutileza de cada som:
Ambient Music:
Seu crescimento acontece no início dos anos 90, mas suas origens remetem a Brian Eno, nos anos 70, com sua música minimalista. Música basicamente de texturas, sem batidas, com notas longas e etéreas, melodia lenta (quando aparece algum ritmo está ‘desaceleradíssimo’), não voltada para as pistas. Usada em situações chill out, relaxamento. Uma das características desse estilo é, às vezes, a citação de sons do ambiente (vento, mar, barulhos caseiros, vozes...). Há o Illbient que é a versão dark, negra, sombria, da Ambient Music. O Illbient tem como local de referência Nova York e como principal expoente o dj Spooky.
Big Beat:
Acelerando as batidas quebradas do hip hop e as vezes fundindo com as do funk, esse estilo pode incluir distorções de riffs de guitarras. É o som mais acessível da eletrônica e se assemelha ao rock.
Chill Out:
Relaxamento e reflexão. Ambiente com música menos acelerada, um pós-agitação das pistas de dança. Pode ser na casa de amigos.
Dub:
Originado das experiências dos negros da Jamaica, ainda nos anos 60, tendo a frente o produtor Lee Perry, que destaca a montagem e a técnica como fundamentais para o resultado da música. É a tecnologia definindo a estética. O Dub eletrônico utiliza timbres do Reggae, com batidas lentas, reverberadas e efeitos etéreos. O delay (distorção que faz com que o som ganhe uma textura de espacialidade, de trimidensionalidade) é um elemento importante do Dub eletrônico. Pode ter vocal.
Gabba:
É o estilo mais hardcore (pesado e rápido) da eletrônica. Baseado na batida house e techno, o Gabba chega a 300, 400 bpm’s.
House:
Nascida em Chicago (EUA), em 1986, esse estilo saiu da fusão, por parte do dj Frankie Knuckles, de elementos da soul music com a disco e batidas das baterias eletrônicas. Daí, surgem sub-gêneros como o Garage (com bastante vocal gospel), e o Deep House (o sub-gênero mais elegante do House, com linhas melódicas, melancólicas e minimalistas acima das batidas), o Jazzy House (batidas com um instrumento solo - quase sempre um sax virtuoso -), dentre outros (Acid House, Disco House, Tribal House, French House). 110 a 128 bpms.
Jungle/Drum’n bass:
Saído dos guetos negros de Londres, em 1992, esse estilo associa os baixos do reggae, com as batidas do hip hop, e às vezes funk, com o jazz. O Drum’n bass, menos pesado, mistura as linhas de baixos a uma temática mais jazzy, menos quebrada, com vocais minimalistas. Em torno de 160 bpms.
Live P A (Live Power Amplification):
É a performance, a apresentação ao vivo, do grupo ou de músico eletrônico em clubes, festas e raves.
Techouse:
Sobreposição da batida techno sobre a house. Vertente nascida recentemente (1997). Do house, conserva, às vezes, curtas linhas melódias e a batida com hithat e claps (pratos e aplausos); do techno conserva as batidas 4 por 4. Por volta de 130 bpms.
Techno:
Originado em Detroit (EUA), no início dos anos 80. Derrick May, Kevin Saunderson e Juan Atkins fazem uma fusão entre o som de Kraftwerk e batidas funks de George Clinton. O resultado é uma batida seca, repetitiva, 4 por 4, sem vocais. O Kraftwerk é considerado um grupo Prototechno, por ser referência à produção da Techno Music. 130 a 140 bpms.
Trance:
Criado na Alemanha, já é uma derivação do techno. Texturas se sobrepõem às batidas e o baixo tem timbre bastante sintetizado e menos seco. Som viajante. O hard trance acelera as batidas para 150 bpm e o psytrance (em torno de 138/145 bpms) aumenta as camadas de texturas e efeitos sonoros e mistura com trechos de sons étnicos indianos. Pode usar grooves, as levadas do house ou do techno.
Trip Hop:
É o blues do techno. Melodias triste, com batidas desaceleradas, geralmente cantadas. A base é o hip hop, só que com efeitos lisérgicos e as vezes até de distorção. A voz, masculina ou feminina, pode ser processada por filtros e parecer mecanizada. Sua origem é Bristol (Reino Unido) em 1991. Em torno de 65 a 85 bpms.
Techno pop / Dance:
Som baseado nos anos 80 e que teve como expoente o Depeche Mode e o New Order. Música com letras (início, meio, fim e refrão), numa referência à canção tradicional. É pop, com teclados que produzem muita melodia, mas a batida é bastante dançante.
Texto por Michel Leão & Equipe Psyte
www.psyte.com.br
Imagens por Cintia Silva
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