Frank Ahearn: “Eu ensino as pessoas a sumir”

Como trabalha o investigador americano que ajuda pessoas a mudar de vida sem deixar pistas

Ele era chamado para encontrar desaparecidos. Até que se especializou em fazer o caminho contrário: providenciar o sumiço de quem não quer ser encontrado. Seus clientes são milionários encrencados com o Fisco, executivos de Wall Street que deram algum desfalque ou vítimas de violência que desejam ter uma nova vida. Suas técnicas não incluem documentos falsos, morte forjada nem esconderijo permanente. “Meus clientes passam da paranoia para uma vida agradável”, afirma o consultor em segurança Frank Ahearn. Para chegar até ele e contratar seus serviços, que custam entre R$ 20 mil e R$ 50 mil, os interessados devem apenas digitar as palavras “how to disappear” (como desaparecer, na tradução do inglês) no Google. “Sou a primeira referência”, diz. Acompanhe agora a reportagem da revista ÉPOCA.

QUEM É
Detetive particular e escritor americano, tem 48 anos, é divorciado e vive em Manhattan, Nova York, nos EUA

O QUE FEZ
Trabalhou por 20 anos como investigador e desde 2002 conseguiu fazer mais de 30 pessoas sumir. Ele diz que nenhuma delas foi localizada

O QUE PUBLICOU
How to disappear (lançado nos EUA em setembro de 2010 pela editora Lyons Press), ainda sem tradução em português
Como surgiu a ideia de ajudar as pessoas a sumir para sempre?
Frank Ahearn –
Em 2002, eu estava em uma livraria em Nova Jersey e vi um homem na fila do caixa com dois livros: um sobre contas bancárias no exterior e outro sobre a Costa Rica. Instintivamente pensei que ele planejava sair do país. Na hora de pagar a conta, ele usou um cartão de crédito. Pensei que seria fácil localizá-lo. Telefonaria para a empresa do cartão para levantar seu histórico de compras, ligaria para as companhias aéreas e saberia em que aeroporto ele desembarcou. Em tese, as empresas não devem revelar dados, mas sempre uso uma boa desculpa. Resolvi abordá-lo. Ele havia denunciado um esquema de fraudes na empresa e disse que corria perigo. Enquanto conversávamos, me ofereceu US$ 12 mil para ajudá-lo a desaparecer. Aceitei. E descobri uma nova forma de ganhar dinheiro.
Qual é o perfil das pessoas que pagam para desaparecer?
Ahearn –
Meus clientes são milionários, celebridades ou vítimas de algum tipo de ameaça. Quase sempre estão envolvidos em alguma encrenca ou buscam liberdade diante de uma situação. A maioria atingiu o ponto em que não se sabe qual direção seguir. Aí entra o meu trabalho. Ensino as pessoas a sumir: a construir uma vida nova, ao mesmo tempo que apago ou desvio as informações deixadas para trás. Elas tornam-se pessoas virtuais, sem vínculos materiais. Só são localizadas se quiserem. Costumo fechar o acordo depois de investigar o cliente porque, a princípio, nunca sei suas intenções. Para desaparecer é preciso um motivo legítimo. Quando sou contratado por homens, geralmente os motivos envolvem dinheiro. No caso das mulheres, há violência ou perseguição. Recebo entre dez e 15 e-mails por semana, mas aceito menos de 10% das ofertas. Criminosos também me procuram, mas recuso ações ilegais.

Como é possível transformar em “invisível” uma pessoa já conhecida?
Ahearn –
A estratégia tem três etapas: desinformação, informação equivocada e reformulação. Na busca por alguém que está se escondendo, o primeiro foco são as informações pessoais deixadas para trás. Na fase da desinformação vou mapear e apagar esses dados. Ou, pelo menos, alterá-los. Saber que tipo de informação do cliente está disponível para quem o persegue é fundamental. Na etapa da informação equivocada, crio pistas falsas que manterão o perseguidor ocupado. Uso artifícios que induzem ao erro. Conto com pessoas ao redor do mundo. Elas usam cartões de débito no nome do cliente, como se ele estivesse viajando. Crio um histórico de telefonemas e coloco fotos montadas em redes sociais na internet. O processo se conclui com a reformulação, cujo objetivo é eliminar as conexões materiais que possam revelar a nova localização. A chave para manter a identidade confidencial é abrir uma empresa, que pode ser offshore (no exterior). O novo patrimônio será adquirido sob o nome da corporação. Como não sou especialista na área financeira, sempre oriento meus clientes a contratar um advogado para orientá-los em suas transações.

Todos nós temos um momento em que gostaríamos de desaparecer e mudar tudo. Optar por sumir para sempre é o extremo


Qual caso foi mais fascinante nestes oito anos de trabalho?
Ahearn –
Há cerca de um ano fui procurado por um milionário de Nova York, que construiu seu império vendendo cachorro-quente em Manhattan. Ele ficou viúvo e se tornou alvo de um processo movido pelo filho, um advogado. O rapaz queria declará-lo incapaz e ficar com a fortuna. Com mais de 60 anos de idade, ele decidiu desaparecer do mapa e viver a vida do jeito que bem entendesse. O que fiz foi contratar uma garota de programa em Miami, na Flórida, e colocar o aluguel do apartamento e as contas dela no nome do milionário. Tudo levava a crer que ele estaria vivendo ali. Era uma armadilha para atrair detetives particulares e cansar seu filho. Também enviamos falsos cartões-postais de vários lugares do mundo para o rapaz. E colocamos linhas telefônicas em construções inacabadas. Quando o lugar era encontrado, estava no meio do nada. Enquanto o filho ficava no prejuízo, o pai levava uma vida tranquila no Caribe.

Como você obtém ou altera dados pessoais que em tese devem ser mantidos em sigilo pelas empresas?
Ahearn –
Digo que conseguir uma informação é como paquerar. Quando a gente leva um fora, tenta com uma pessoa diferente. Certa vez estava à procura de um rapaz que devia US$ 30 mil a um cliente. De maneira alguma conseguia achá-lo, até que descobri seu interesse por carros antigos. Tive a ideia de telefonar para revistas sobre automóveis usando o nome dele. Reclamei que não estava recebendo meus exemplares. Todos os atendentes me diziam que o nome não constava como assinante. Quando eu já estava quase desistindo, em uma das publicações a pessoa me informou que as edições estavam sendo destinadas para determinado endereço. Bingo! Achei-o na Geórgia. Conseguir uma informação ou alterá-la é mais fácil do que parece, mas exige persistência.

Ser milionário é um requisito para levar o plano adiante?
Ahearn –
Não, mas nem todos podem pagar. Não digo no sentido de me contratar. A primeira pergunta a ser feita é: como você sobreviverá? Precisará de emprego? Desaparecer requer acima de tudo uma mudança no estilo de vida. Um advogado em São Paulo não pode mudar para o Rio de Janeiro e exercer a profissão porque o encontrarão. Todos nós temos um momento em que gostaríamos de mudar tudo, mas algumas pessoas só precisam de uma consultoria para fazer sua transição. Optar por sumir para sempre é o extremo. Na maioria dos casos, encarar o problema é a melhor solução. Em situações de violência, às vezes o perseguidor é preso e a vítima fica à vontade para retomar a vida que levava antes.

Quais são os principais erros que podem frustrar o plano de desaparecer?
Ahearn –
Forjar a morte é o pior deles. Além de ser ilegal, sempre deixa evidências que levam o plano ao fracasso. Obter nova identidade também é bobagem. Sempre friso que é preciso cuidado com o telefone e a internet. Use chips pré-pagos. Se criarem um site sobre você, jamais o acesse, provavelmente estarão rastreando sua identidade e localização.

Algum cliente seu já foi localizado depois de ter seguido seus conselhos?
Ahearn –
Não. Quando termino o trabalho, tenho uma investigadora que faz uma busca. Se ela localizar algo, fazemos as adaptações necessárias. Se não, caso encerrado.




Fonte:


Época






2 comentários:

Renata disse...

Adorei a matéria.. muito boa!! Parabens!

Marcos disse...

Queria ter 15 mil dólares sobrando pra dar uma sumidinha. ^^
"Mãe, já volto!"

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