Profissão, que nasceu autodidata, ganha especialização em Santos (SP).Para drags famosas, o 'certificado' ajuda a tirá-las da marginalização.
Cláudia Waléria aprende a esconder a sobrancelha para assumir sua versão drag queen (Foto: Caio Kenji) |
A passista e professora de ritmos Cláudia Waléria, 37, é uma das alunas de um dos poucos cursos de drag queens do país. Ela se inscreveu em Santos, SP, cidade onde mora, com o objetivo de se capacitar para expandir sua atuação profissional e aprofundar uma confusão: em palcos internacionais, vestida de Carmen Miranda, ela diz que provoca um encantamento ambíguo nos gringos. “Eles ficam na dúvida se eu sou mulher mesmo ou uma drag queen. Isso ocorre principalmente nos shows em navios”, explica. "Adoro ser confundida com as drags. É um super elogio. Elas são lindas."
A especialização - quase inédita em um segmento artístico marcado pelo autodidatismo - é coordenada, desde o início de março, pelo ator e bailarino Zecarlos Gomes, nas salas do Sesc Santos, instituição que cedeu o espaço para o primeiro módulo da capacitação. Gratuito, o curso foi viabilizado com verbas do Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, e tem 23 alunos inscritos.
Homens, mulheres e até um casal, de diferentes idades e perfis recebem, duas vezes por semana, em oito horas, instruções de maquiagem, dança, canto e interpretação - disciplinas idealizadas para subsidiar a criação de novas drag queens.
Durante 30 dias, os alunos são capacitados e avaliados. Para participar da primeira etapa era necessário apenas boa vontade dos candidados. No começo de abril, os professores selecionarão oito homens e quatro mulheres para seguir adiante no curso, que deixa a unidade do Sesc e passa a ser realizado em uma universidade de Santos.
A ideia de Zecarlos é recrutar 12 drags em potencial para apresentar uma peça de teatro no segundo semestre do ano. O espetáculo, que concluirá a capacitação, ainda não tem roteiro, mas deve parodiar o filme "Priscilla", numa versão do que é ser drag no Brasil. As apresentações ocorrerão nos teatros municipais da baixada santista, como previsto no projeto.
Nicho de mercado
Ricardo e Kiko seguem o passo-a-passo das aulas de maquiagem (Foto: Caio Kenji) |
A ideia veio quando Zecarlos, que também dá vida à drag Sheyla Müller, se deu conta de que boa parte da pouca qualidade das apresentações que via nas boates gays da baixada santista se devia à falta de informação. “Ao frequentar essas baladas, eu via um pessoal competente, mas sem instrução nenhuma. Os personagens eram pobres pela precariedade do figurino, da maquiagem", diz ele, que também assume as aulas de teatro do curso. Ele então convidou a professora de dança Fernanda Iannuzzi, o especialista em maquiagem artística Fernando Pompeu e a professora de canto Rosy Patron, para oferecer uma bagagem artística a quem ganha a vida ou gostaria de ter suas noites como uma drag queen.
Ambição
A falta de instrução e o medo de não ser uma “drag diva” tolheram o talento de Ricardo Ornelas, 25. Aspirante a drag, ele sempre quis assumir sua versão mulher como profissão, mas não tinha coragem. “Sonhava em me montar, mas não sabia nem por onde começar e tinha medo de ficar horrível. Não quero ser caricato, quero ser bela e arrasar.”
(Foto: Caio Kenji) |
Com o curso, aprendeu a forma correta de esconder as sobrancelhas e maquiar o rosto para suavizar as formas masculinas. Na aula de dança, calçou uma sandália com 10 centímetros de salto pela primeira vez. Rebolou, desfilou e não caiu. “Nasci pra ser diva mesmo, tinha medo de me estatelar no chão ou de não ter equilíbrio, mas me surpreendi demais.”
Na labuta há seis anos, Kiko Forner, 27, é cabeleireiro durante o dia e Joybelle D´Vayner à noite. O nome, inspirado em uma boneca Barbie negra, não rende ainda o sustento necessário para aposentar as tesouras. Por ora, ele assume sua versão feminina para aparecer, ser reconhecido e aplaudido no meio. “Alguns homens gostam de futebol, eu me realizo como drag. Não é rentável, faço por amor e vaidade.” A capacitação ajudará a sofisticar a personagem já existente.
Casados há 25 anos, a fotógrafa Cláudia Gouvea, 49, e o DJ Tomás Tlach, 51, encaram as aulas de uma forma mais recreativa do que profissionalizante. Embora o objetivo seja desenvolver novas habilidades no campo artístico, Tomás já pensa em assumir a personagem para tocar em festas. “É uma forma de me descobrir, conhecer outros universos, mas também posso surpreender o meu público me apresentando vestido de drag.”
Reconhecimento
Hoje Tchaka ri à toa, mas já sofreu com a falta de instrução para se montar com Drag Queen (Foto: Caio Kenji) |
A trajetória de drags reconhecidas e hoje bem remuneradas endossa a análise de mercado que motivou Zecarlos a estruturar o curso. A primeira vez que Walder se vestiu como o que viria a ser a caricata drag queen Tchaka – hoje palestrante e animadora de festas de casamento, chá-bar e aniversários – o produto usado para esconder as sobrancelhas, truque fundamental na transformação, não foi maquiagem, mas pasta de dente.
“Ficou tosco demais, tanto é que um amigo disse que eu parecia o Chaka do seriado "O elo perdido". Não tinha ideia, referência, nada. Tudo foi construído aos poucos, por minha conta e risco mesmo”, conta ele, que se considera um "palhaço de luxo" do público que atende.
O que começou remetendo a um macaco, famoso na época de 80, hoje representa não apenas glamour e fama, mas o sustento de sua família. Com renda média de 10 mil reais por mês, ele está prestes a completar 4 mil eventos realizados em dez anos de carreira.
Alexia Twist |
Antes de ser sensação em boates gays de São Paulo e Brasília com covers das cantoras Beyoncé, Katy Perry, Rihanna e do show de Madonna no intervalo do Super Bowl, Alexia Twister, personagem de Mateus Miranda, 32, também teve suas noites do que eles chamam de “drag pobrinha.”
“Eu recorria às roupas da minha mãe, e misturava com pedaços de tecidos comprados em lojas da rua 25 de março, em São Paulo. Sem instrução, é complicado ter noção do próprio rosto para esconder as formas masculinas e assumir a versão mulher.”
Para eles, que recebem e-mails diariamente com pedidos de ajuda ou apadrinhamento – as drags geralmente são “batizadas” por outras profissionais já famosas no ramo – a capacitação reforça o lado artístico e ajuda a tirá-las da marginalização.“Somos atores de um personagem só, mas isso também é arte, independente da associação com o universo gay", assevera Walder.
Fonte:
1 comentários:
http://tchaka.com.br/
Rainha das drag queens é a Diva Tchaka referência entre as drag queens do Brasil como exemplo de determinação, profissionalismo e inteligência.
11 91327750
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