Ayahuasca provoca visões “realistas”

Pesquisa descobriu que áreas cerebrais ativadas são as mesmas da visão






Em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, 10 veteranos frequentadores do Santo Daime se reúnem para tomar Ayahuasca em grupo, como fazem há anos. Normalmente, eles usam a droga alucinógena em rituais religiosos, com cânticos e louvações. A bebida, feita a partir da mistura de um cipó e das folhas de um arbusto amazônico, produz um efeito alucinógeno e costuma causar visões e experiências místicas em seus usuários. O ritual tem origem indígena – a bebida era consumida pelos povos da floresta em cerimônias desde tempos ancestrais. 

Só que, desta vez, o ritual não tem nada de ancestral. Eles estão em um laboratório científico. Ao invés das músicas, o único barulho na sala vem de uma máquina de ressonância magnética, onde os usuários são colocados antes e depois de ingerir a bebida. Enquanto sentem sua percepção se alterar e começam a ter alucinações, um grupo de cientistas analisa imagens que representam as áreas de seu cérebro. Eles notam que a droga ativa o córtex visual primário, localizado no lobo occipital, área que tem papel fundamental para a visão. Para a surpresa dos pesquisadores, essa área ficou tão ativa quando o participante encarou fotografias quanto no momento em que ele ingeriu o Ayahuasca, fechou os olhos e teve visões. A imagem também mostrou o funcionamento de áreas ligadas à recuperação de memórias biográficas e à imaginação de futuros eventos. “Ao aumentar a intensidade das imagens lembradas ao mesmo nível da percepção visual, o Ayahuasca dá status de realidade a experiências internas”, diz Draulio de Araújo, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, responsável pelo estudo. Veja a entrevista completa que a GALILEU fez com o pesquisador: 

Como você teve acesso ao Ayahuasca usado na pesquisa? Outros cientistas também conseguiriam ter acesso à droga? 

Antes de ter acesso à Ayahuasca para a realização de qualquer pesquisa, é necessário que se tenha aprovação por algum comitê de ética em pesquisa (CEP). No nosso caso, o projeto foi aprovado pelo CEP do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Uma vez tendo essa aprovação, pode-se buscar parceria com igrejas que fazem uso do Chá, como a do Santo Daime, a União do Vegetal ou a Barquinha. Há alguns grupos realizando pesquisa com a Ayahuasca no Brasil, como, por exemplo, na USP de Ribeirão Preto, a Universidade Federal do São Paulo (UNIFESP), a Universidade Federal do Ceará, a Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 

Você concorda com a classificação do Ayahuasca como droga alucinógena? 

A Ayahuasca pode ser classificada como uma droga, sim, usando o entendimento de que ela contém substâncias químicas que alteram os mecanismos de neurotransmissão cerebral de forma direta. Baseado na mesma definição, também podemos incluir nesse conjunto o tabaco, o álcool, o café, e o chocolate. Como qualquer outra substância psicoativa, há algumas considerações importantes a serem feitas na avaliação dos riscos associados ao seu uso. A primeira diz respeito ao seu poder de dependência química. No caso da Ayahuasca, que age sobre o sistema serotonérgico, não há comprovação científica sobre a eventual dependência química causada pelo seu uso. O segundo, as alterações sobre o sistema nervoso autonômico. No caso da Ayahuasca, há evidências que as mudanças de pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória, além da temperatura do corpo, permanecem dentro de limites considerados normais. Por outro lado, sabe-se que é importante evitar o uso da Ayahuasca nos casos em que o indivíduo esteja fazendo uso de medicamentos que alteram os níveis de serotonina, como é o caso de alguns anti-depressivos que estão baseados na inibição seletiva de recaptação de serotonina, por exemplo, o PROZAC. 

Como foi feito o teste? 

Realizamos duas sessões de imagem funcional por ressonância magnética (uma antes e outra após a ingestão de aproximadamente 200 ml de Ayahuasca) em 10 indivíduos experientes no uso do chá. A pergunta central desse primeiro estudo estava na compreensão da potencialização da geração de imagens mentais pelo uso da Ayahuasca. Durante as duas sessões os indivíduos permaneciam dentro de um equipamento hospitalar de imagem por ressonância magnética. Os dados desse primeiro experimento estão publicados na revista Human Brain Mapping. 

Quanto aos resultados da pesquisa, o que significa o fato de as imagens mentais serem percebidas na mesma área cerebral que processa as imagens visuais? É isso que torna as visões tão realistas? 

Esse é o tipo de especulação que pode ser feita: que a realidade das imagens geradas mentalmente seja a mesma das percebidas pela modulação do sistema visual. Porém, o nosso estudo não fornece elementos suficientes para garantir essa relação. 

A atividade de áreas cerebrais relacionadas à memória pode explicar porque muitas dessas visões são tão significativas para os usuários do Ayahuasca? 

Mais uma vez, essa é uma possível especulação, que o nosso trabalho não fornece elementos de garantia necessários. Uma frase do nosso artigo que traduz todas essas perspectivas é: “As visões induzidas pela Ayahuasca têm sido usadas tradicionalmente em contextos religiosos para dar acesso um mundo interno muito significativo. Nossos resultados indicam que essas visões vêm da ativação de uma rede de áreas cerebrais envolvidas com a visão, a memória e a intenção. Ao aumentar a intensidade das imagens relembradas ao mesmo nível da visão, o Ayahuasca dá um status de realidade a experiências internas. A partir disso, é possível entender por que o Ayahuasca foi selecionado culturalmente ao longo dos séculos pelos xamãs das florestas para facilitar revelações místicas de natureza visual.”  


Antes de sua pesquisa ser feita, qual era o nível das pesquisas brasileiras estudando o Ayahusca? 

Estudos com Ayahuasca no Brasil vêm sendo conduzidos há muito tempo, envolvendo principalmente aspectos farmacológicos e antropológicos do seu uso. Boa parte desses estudos deram contribuições significativas para a compreensão mais geral sobre a Ayahuasca e foram conduzidos em parcerias importantes com outros grupos no exterior. O nosso grupo tem abordagem que agrega técnicas da neurociência, em especial a imagem funcional por ressonância magnética. Outros estudos, envolvendo outras técnicas, como por exemplo a Eletroencefalografia, já haviam sido conduzidos, por pesquisadores de Florianópolis em conjunto com pesquisadores americanos. 

O que o estudo dos efeitos de uma droga pode nos ensinar? 

Esse estudo em particular pode ter várias implicações, além de ampliar a compreensão do nosso cérebro. Por exemplo, há bastante tempo temos argumentos e indícios de que a compreensão da consciência como um todo passa necessariamente por estudos envolvendo estados alterados de consciência. 





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